593. Conto
Em tempos decidi escrever um conto neste blog. Mas devo ter-me esquecido. Só pode ter sido. Lembrei-me disso a conversar com uma amiga. Vou tentar recomeçar. Entretanto, deixo-vos com o bocadinho da prosa que tinha sido escrito antes.
Conto (I)
A disceptação teve o seu epílogo. Estava decidido. Como bom dendrófobo dirigir-me-ía para o deserto. Ele caminharia para os antípodas. Sentia-me fatigado de ser sempre apoucado nas minhas decisões. Assumiria de uma vez por todas o meu eremitismo. O badano, já cambado, haveria de suportar as duas ou três horas que me faltavam para chegar ao destino. Quando as adelfas e as carvalhinhas começaram a rarear nas margens do caminho, o dia abaçanava. A alimária alentecia e nem os golpes de butuca a fariam mover. Paramos. Coligi os escassos haveres, cobri-me com um bedém, com o qual me tinha abispado antes da partida, sentei-me ao velho jeito índio, pernas cruzadas uma sobre a outra e adormeci. A minha mente extenuada achapuçava-se de sonhos. Abentesmas albípedes, cujas restantes partes corporais se não viam, bandarreavam no meu espírito deixando-me azabumbado. Como seria possível em lugar tão ermo me sentir cercado. Acordei abruptamente. Autócnes de aspecto boçal faziam a festa. Nunca na vida tinham deparado com tão alva tez. Com as mãos enrugadas esbarbavam-me o capote como que se inteirando da minha condição de real.
Conto (II)
Os autócnes tinham um ar fúfio. As gaforinas não ajudavam à criação de uma imagem menos depreciativa. No entanto os pescoços exibiam fulgentes colares de estranho metal. Ensaiaram uma ginga em meu redor e tentaram comunicar. Não sei se por ter acordado no momento, os sons que emitiam eram-me ininteligíveis. A última vez que tinha escutado algo similar, foi de uns indígenas de Timor Oriental que tentaram ensinar-me o seu galóli. Tive medo que se tratassem de antropófagos preparando a funçanata. Num pequeno hiato de tempo, um deles de aspecto galhardo, apercebendo-se de que eu efectivamente não estava atinando com o seu linguarejar, ensaiou uma ideografia simples mas eficaz. Aí eu não tive coragem para ilidir. Aceitei de imediato. Era um convite para repasto. Seria?
(continua…)
Sem comentários:
Enviar um comentário