sexta-feira, setembro 03, 2004

562. Senha número treze

A D. Conceição é uma velhinha de 80 anos. É de Moura, no Alentejo, mas vive na região de Almada há mais de 60 anos. Fala ainda com o sotaque com que nasceu. Todas as vezes que vou ao médico encontro-a no posto. Quase não pode andar devido a uma queda que deu. Tem imenso medo, pavor, mesmo, de escadas. Mora num 3º andar e há cerca de um ano caiu escada abaixo. “Por falta de luz”, contou ela. Eu conheço esta história há muito tempo. Desde a primeira vez que a vi. Repete-a sempre igual para todos os que esperam na sala. Uns riem-se, outros sentem pena, outros não reagem, indiferentes. Vai sempre à procura da Dr.ª Isabel, sem consulta marcada, em dias que a Dr.ª Isabel não dá consulta. Ou de avisadas, as funcionárias dizem-lhe que a Dr.ª não está. Faz da ida ao posto da caixa o seu passeio matinal. Um destes dias meti-me com ela. Ela queixa-se que não pode andar “Só Deus e eu é que sabemos…”. No entanto estava bem disposta. Convidei-a para bailarmos os dois nas próximas festas da vila. Deu uma gargalhada e foi o suficiente para me contar as histórias do tempo em que moça, “balhava e balhava bên”. De todas as vezes conta as agruras que passa com a filha. Mas há mais quem lhe conheça as histórias de vida ou quem já delas ouviu falar. Um deles, que esperava outra consulta com a senha número 13, “a filha é que tem a culpa; nem a luz paga à velha; só lhe quer é chupar o dinheiro da reforma”. Se calhar foi por isso que lhe deram o número 13.

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