sexta-feira, abril 23, 2004

Memória II

São sete da manhã e o telefone toca. Ainda não me tinha levantado apesar de nem me ter deitado tarde. Contra o costume estava a dormir havia, por aí, umas 6 horas. O meu tio António nascera perfeito durante a guerra de 1914-18, poucas semanas depois de o meu avô ter partido para França. Quando regressou, libertado pelos alemães, por quem tinha sido capturado na célebre batalha de La Lis, encontrou um filho, o seu primeiro filho, cego por um surto de bexigas. O meu tio António, era no ramo paterno, a pessoa mais esclarecida da família, talvez a mais culta e certamente a que melhor “via” o país e a sociedade.

- Estás acordado?
- Agora estou, tio. Há algum problema?
- Ainda não ouviste notícias?
- Não tio, acordei com o telefone. O que há?
- Bom, filho. Não saias de casa. Liga a telefonia. Até agora parece que os nossos estão a controlar. Mas é preciso dar tempo.
- Está bem tio, obrigado. Mais tarde eu ligo-lhe.

Desligamos, acendi a telefonia, não voltei para a cama. Os nossos? Não me lembro de ter alguma vez, abertamente discutido política com o meu tio. Não me lembro se alguma vez me “descaí” sobre as minhas opções. Mas o meu tio António apesar de cego, não tinha só quatro sentidos. Ele sabia, que a mim, poderia dizer: os nossos.

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