Era matemático! Àquela hora, lá estava ele, de livro debaixo do braço, sobretudo e chapéu se fosse inverno, mangas de camisa, usava sempre camisas de manga comprida e boné, pois claro, se fosse verão. Conheciam-no como o homém dos mil chapéus. Era coisa que não dispensava fosse por moda, por cultura ou por habituação. E também não falhava nenhum dia da semana, a sua chegada era pontual. De um rigor matemático. Tinha até um chapéu especial para os domingos, não lhe sei dizer o nome mas era assim a modos como que uma cartola. A garotada gostava de se sentar ao lado dele e disfrutar dos caramelos espanhois que sempre trazia no bolso. A senhora que passava a empurrar o carrinho de bebé (devem ter sido muitas, pois uma delas lembro-me de a ter visto, mais tarde, passar com o pequenote pela mão e, mais tarde ainda, ter visto o garoto aos pontapés numa bola e, se a memória me não falha, vi-o mesmo passar com a sacola da escola), em troca de um sorriso recebia uma vénia de chapéu na mão e de corpo, alguns anos depois, já curvado. A moça do vestido às flores sentava-se ao lado dele e passavam largos minutos a conversarem. Não eram poucas as vezes em que se ouviam sonoras gargalhadas. A moça deixou de vestir vestidos com flores e os cabelos começaram a ficar mais curtos mas, ainda assim, se sentava ao lado do velho fazendo reluzir uma aliança de ouro. Já não soltava tão grandes gargalhadas mas ainda se ouvia rir. Os miúdos cresceram, não lhe pediam mais rebuçados. Àquela hora, todos os dias, o homem dos mil chapéus, o último que se lhe viu era um chapéu de coco que não lhe assentava particularmente bem com a gabardinha beje, chegava com um livro na mão e sentava-ve à espera de alguém a quem tirar o chapéu. Quando deixou de apararecer soube-se que todos os dias, rigorosamente à mesma hora, recebia sobre a campa uma flor. Flores de mil cores, como os seus mil chapéus chegavam-lhe à mesma hora. Era matemático.
Foto e texto PreDatado 2010
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