quinta-feira, julho 30, 2009

1468. Vacanças

E pronto, chegamos ao fim de mais um ciclo. Bem sei que não é para todos mas a maioria dos portugueses vai de férias em Agosto fechando, portanto, nesta altura mais um ciclo. Durante um mês não há mais embirrações do chefe. Durante um mês as filas para a ponte na ida e na volta são só para aqueles que não sabem fechar o ciclo no dia exacto. Durante um mês não se vai para a caixa do Continente com o carrinho de compras a transbordar aos Domingos de manhã. É verdade, também, que durante um mês não se tem o prazer de conversar com a boazona que trabalha na secretária ao lado e esta é a época de ela ir de mini-saia até à cintura, mas algum tributo se terá de pagar. Durante um mês não é preciso ir buscar os putos todos os dias ao colégio porque as educadoras também estão a fechar o ciclo delas. Durante um mês não vou pensar se tenho moedas para um dia inteiro de estacionamento. Claro que não vou ter o Destak, o Global, o Metro de borla todas as manhãs mas quem é que precisa de ler jornais no mês fora-de-ciclo? Durante um mês não vou fazer jantar nem lavar a loiça, os outros, os que não fecham o ciclo vão poder fazer o jantar para mim. Durante um mês não há Sócrates nem Ferreiras. Mas vou andar atento ao meu redor e a tomar notas no meu moleskine. Se alguma for interessante depois eu publicarei por aqui. Oh amigo não se importa de desviar um bocadito a sua toalhinha para eu estender a minha? Obrigadinho.

PS. Apesar do Pre ir entrar em férias de Agosto não se esqueçam de vir aqui no próximo dia 17 saudar o seu aniversário e tomar uma tacinha de champanhe, ok?

PPS. Ando muito feliz com as eleições autárquicas. Aqui o meu Concelho anda todo cheio de arranjos e arranjinhos, montes de equipamento prometido e outro a inaugurar e tal. Assim é que é. Eu por mim não me importo de ir todos os anos ali à EB votar. Eleições Autárquicas anuais, já!

Foto: PreDatado©2009

terça-feira, julho 28, 2009

1467. Narzędzia


Nagenda, era assim que nos soava a palavra polaca narzędzia. Ainda hoje quando falamos desse tempo e nos referimos ao assunto é nagenda que dizemos. Já lá vão mais de 3 dezenas de anos em que nos aventuramos a trabalhar na montagem e desmontagem de pavilhões nas antigas instalações da FIL quando ali se realizava a grande exposição anual. A nós calhou-nos o pavilhão da Polónia e logo cedo, antes das 8 da manhã pegávamos na nagenda e íamos trabalhar. Narzędzia é como se diz ferramenta em polaco e eram o martelo na montagem e o arranca pregos na desmontagem as nossas principais ferramentas. Hoje em dia as minhas ferramentas são outras e n’agenda só se for (e é) na electrónica. Utilizar a internet desde antes das oito da manhã e até muito depois do sol se pôr passou a ser para mim quase tão imprescindível como comer. E se bem que em férias me costumo desligar do mundo nem sempre isso é possível para não dizer inconveniente. Vejo agora anunciar por aí, tipo “ora aqui está uma pechincha que nunca lhes passou pela cabeça” banda larga apenas a 10 Euros por 10 horas. Não tenho dúvidas que vai muita gente aderir mas eu gostava de os mandar ir roubar para a estrada porque não estou disposto a pagar 1 euro por hora para aceder à internet, quando em casa pago cerca de 50 cêntimos por dia. Eu não sou nada violento mas quando oiço este tipo de anúncios só me apetece dar-lhes com a nagenda.

sexta-feira, julho 24, 2009

1466. Ensaio sobre a beleza (interior) ou como ficar bonito para este Verão

Às vezes eu finjo que não entendo. Aliás, não é às vezes. Eu sempre finjo que não entendo. Palavra puxa palavra, conversa puxa conversa tipo pezinhos de cereja, ainda a procissão vai no adro e já se ouve o habitual, “o que importa é ser bonito por dentro”. Ah é? E isso também vale para bonita? E se vale como é que vão ser depois os piropos? Parece-me já estar a ouvir o gajo das obras na minha rua debruçar-se na plataforma, onde uns dias depois há-de ser uma varanda, gritar, Ai filha, tens um fígado tão lindo que te comia toda em iscas, ou o camionista à beira da estrada, Se os teus pulmões fossem mais sobressaídos um bocadinho quem te dava uma maré viva era eu, oh Pamela de Alfarim! O que eu gostava mesmo era de assistir às conversas nos consultórios dos cirurgiões plásticos. Doutor nem sabe o que me passou hoje pela cabeça, (…) venho trocar de pâncreas (…) já viu que lindo este no catálogo? (…) Pena é que a modelo é meio anoréctica, mas (…). Acho que quem vai ficar a perder é o governo. É que estas novas cirurgias plásticas com recibo de operação ao pâncreas devem dar para descontar no IRS. Quanto é que abaterá, por exemplo, retirar umas gordurinhas aos pulmões ou fazer uma lipo-aspiração à bexiga? A mim não me enganam, não, com essa converseta do bonito por dentro. Porque é que não dizem logo que um gajo é feio ou vá lá, para não chocar tanto, que é barrigudo? Mas não, ai Pre o que importa mesmo é ser bonito por dentro e tal, mas mesmo assim devias mandar colocar um pouco de botox nos bronquíolos.

PS. Na verdade eu sou lindo por dentro. Já fiz alguns exames, não digo quais porque isto aqui não é confessionário do padre Miguel, em que algumas micro-câmeras me percorreram as entranhas quase todas. É um espectáculo. Ah minha coisinha fofa, pareceu-me ouvir, uma ocasião, da boca de uma enfermeira.

A belíssima foto que se mostra, por dentro e por fora, é do PreDatado.

quinta-feira, julho 23, 2009

1465. Penso rápido

Não há ninguém que eu tenha conhecido que escreva tanto como o Luís. Uma vez, em casa dele, estive uma tarde inteira a contar manuscritos. Daria para dobrar a obra do José Saramago mas assim em formato Guerra e Paz. E isso eram só as chamadas obras acabadas. Contos, romances, ficção, poesia, ensaios, pesquisas e sei lá mais quantos géneros que eu, meus queridos e minhas queridas, sei pouco de literatura para distinguir. Uma vez, por graça, perguntei ao Luís porque é que ele nunca tinha apresentado uma única obra a uma editora. Respondeu-me, com muito mais graça do que a da minha pergunta, que já lhe faltava a paciência para traduzir. É o raio daquela letra com que ele escreve que, na verdade digo isto porque tenho esperanças que ele não me leia e ninguém lhe vá contar, ninguém consegue entender. Diz que começou quando estava na tropa, mas sei eu e sabem alguns outros colegas dele, que era assim mesmo que ele tomava apontamentos nas aulas (assim como que em jeito de parêntesis confessou-me que só tirava apontamentos para exercitar os músculos dos dedos e das mãos pois nunca lia nada do que anotava). Só podia ter-se formado em medicina já que na verdade tinha letra de médico e há que começar por algum lado. Já na tropa foi enviado para a Guiné e, homem do caraças, diz que foi o único período da vida dele em que esteve à beira do paraíso. Quase que foste para os anjinhos? – indagámos – Nada disso, ripostou, foi a época em que escrevia 5 aerogramas por dia. Por falar em aerogramas, foi nesse tempo que Luís conheceu a Esmeralda, sua única, que saibamos, namorada e hoje em dia sua fiel esposa. Uma mulher que lhe dedica tanto ou tão pouco carinho que todos os dias lhe arruma a papelada toda no escritório enquanto no hospital ele se entretém a passar receitas. Mas eu ia falar dos aerogramas. Um dia, quando no início se começou a corresponder com o Luís, entrou-me pela farmácia dentro, passe o pleonasmo mas é só para dar ênfase, a Esmeralda aflita porque não percebia patavina do que estava escrito no aerograma. Aviei-lhe então um xarope para a tosse, uma caixinha de Saridons e duas embalagens de compressas.

Eu sei, amigas leitoras e amigos leitores que do Pre ou Sir Pre, título incluído que tanto custou a adquirir, se espera sempre algo sério, erudito e muito bem elaborado, mas eu hoje estava danadinho para contar uma anedota.

Foto daqui

terça-feira, julho 21, 2009

1464. Redondinhas

Algumas bolas fizeram e fazem, fizeram e já não fazem, não fizeram e agora fazem parte da minha vida e algumas delas da vida de todos nós. Hoje não me debruçarei exaustivamente por um tema tão aliciante sob pena de tornar a escrita redonda e seja por via de um paralelo ou quiçá de um meridiano esta ir sempre parar ao mesmo sítio. Aliás uma bola é o único objecto que faz jus ao velho e popular dito “não tem ponta por onde se lhe pegue”. Da bola e bolas que chutei desde garoto uma delas engoli. A minha médica diz-me que eu devo tentar reduzir o perímetro abdominal que é uma forma eufemística de me dizer que nem o basquetebol se joga com uma bola assim. Outras há, as de Berlim (abro aqui um parêntesis para vos dizer que nunca comi bolas de Berlim tão boas como as que comi em Berlim – eu não vos avisei que este tipo de escrita é redondo?) que se vendem na praia. Este ano tive já oportunidade de estar em praias algarvias e o som agora é quase exclusivamente Bolinha de Bérrlim, com os mais variados sotaques dos nossos irmãos brasileiros (e irmãs que aqui não mora nenhum preconceito). Por acaso também se vendem nas pastelarias, mas não é a mesma coisa (agora fiquei zon). Uma vez vi vender bolas numeradas em Tóquio. Explico. Havia umas casinhas onde se formavam longas filas – saudade de escrever bichas, mas sou lido por muito pessoal do lado de lá que não iria entender – para vender bolas de cortiça de diferentes tamanhos e numeração. Estranho negócio este, pensei eu, só pode ser coisa de orientais, voltei a pensar porque às vezes eu penso mais do que uma vez. Como o jogo a dinheiro era, talvez ainda seja, proibido no Japão fora dos casinos, o fruto do jogo clandestino era pago em bolas numeradas. Alguém nessas casinhas exercia um negócio, perfeitamente legal, de comprar bolas numeradas. E dizem que os portugueses é que são desenrascados. Por acaso eu acho que somos é uns pacóvios de primeira. Está bem que foi no século passado mas a coisa tem uns 20 a 25 anos. Andou a D. Branca a comer as papas nas cabeças de muitos portugueses com uma das maiores vigarices do século em Portugal que até deu direito a uma telenovela em horário nobre e tudo e parece que se esqueceram depressa continuando a cair no conto do vigário agora com uma D. Aurora. Ainda se fosse uma aurora boreal. Bolas que são burros. Ou serão apenas uns cabeças de abóbora muito redondinhas?

Foto daqui

domingo, julho 19, 2009

1463. Ponto de ordem

Tenho uma vaga ideia de que o primeiro ponto que conheci foi o Ponto Azul. A minha tia Felismina tinha um rádio Ponto Azul e a minha prima Helena, a primeira pessoa a ter televisão na família, se a memória não me falha, tinha uma Ponto Azul também. A partir daí os pontos passaram a fazer parte da minha vida quotidiana tão inevitáveis que alguns ainda me causam pontos de interrogação. Um tio meu foi ponto num teatro de revista em Lisboa, a minha mãe fazia doces onde era presença frequente o ponto caramelo, o ponto pérola ou o ponto estrada e mais tarde, era eu assim já espigadote e com pontos negros no nariz e nas bochechas, além do acne juvenil, a minha namorada, quando eu lhe punha sorrateiramente uma mão na perna, picava-me com a agulha com que se entretinha a fazer ponto cruz. Entretanto já eu me acostumara a ir espreitar o livro de ponto entre duas aulas a ver se a professora de História me tinha marcado falta de atraso na única aula que começava antes do meu autocarro chegar, a estudar que nem um marrão para o ponto de química, ou a não perceber nada dos códigos nos cartões de ponto quando comecei a trabalhar na Lisnave. Ficaram aqui muitos pontos por referir como é, por exemplo, o caso das sextas-feiras, dia da semana feito de propósito para os nossos deputados irem lá picar o ponto e pirarem-se para as suas santas terrinhas ou então para Paris ou Nova Iorque que são pontos de encontro muito mais chiques. Mas eles podem porque de quatro em quatro anos lá estamos nós a votar que é como quem diz a marcar o ponto para os legitimarmos. Não sei porque é que falei nisto tudo se a minha intenção era apenas falar nos ecopontos. Os ecopontos são aquelas caixas de plástico grandalhonas que povoam os nossos bairros residenciais e que vieram resolver todo o problema do consumo e exaustão de recursos do planeta. Basta reciclar. Há-os para quase todos os gostos, para embalagens de muitas espécies sendo que, algumas embalagens têm mesmo pontos especiais para elas, que o digam as de vidro e as de cartão. Mas tal como os nossos relvados, sejam os de ao pé da porta que apenas tentam mitigar os efeitos dos aglomerados de betão onde vivemos, sejam os de jardins e parques públicos, se tornaram ponto obrigatório onde madames e cavalheiros levam os seus canitos a defecar (eu por acaso até ia escrever cagar mas, no ponto em que vou, achei feio), também os ecopontos rapidamente se tornaram depósitos dos mais variados lixos. Está-se mesmo a ver qualquer dia as ruas cheias de sofaponto, vesturióponto, movelóponto, frigorificoponto, televisãoóponto e outros objectópontos até chegarmos ao ponto em que um engraçadinho se lembre de intalar o sograóponto. O que nós somos todos é uns grandes pontos e ponto final! (ponto final, ponto e vírgula, que isto é um ponto de exclamação).

Foto: Predatado

sexta-feira, julho 17, 2009

1462. Brilhos


Já não são de sorriso castanho-escuros e maiores que azeitonas como quando antigamente faziam a delicia das moças da região, Só namoradas teve mais de vinte, diz a mulher quando disso se fala, mas continuam a brilhar como antes quando de uma boa brejeirice ou quando nos relembramos, em contos ao serão, do tempo em que as jovens vizinhas, já ele homem casado, o iam fazer levantar da cama para as acompanhar ao chafariz. Hoje é com alguns “papinhos” e outras rugas que sorriem os olhos do Ti Augusto quando de antigamente falamos também das pescarias, não a pesca às namoradas, mas as pescas no rio, à linha e quando relembra que o pai dele, às vezes já chegado a casa com o grão na asa em noite de sexta-feira, lhe dizia, Augusto amanhã vamos aos polvos, Sim pai, que respondia só para o não contrariar. E é com o mesmo brilho nos olhos, talvez de uma lágrima sentida ao recordar o velhote que o Ti Augusto conta que às seis da manhã em ponto o pai o ia acordar, parecendo mais são do que um pêro, Então vens ou ficas? E lá iam eles aos polvos e recordávamos também as vezes que ali no rio, onde há muitos anos namorou uma moça nas rochas sentados a verem passar os barcos (diz que ainda se lembra dos primeiros vapores do Terreiro do Paço) e a roubar beijos que depois nunca os devolveu, relembrávamos, contava eu, que xarroco, pata-roxa, safio e cação, abrótea que na gíria dos pescadores dali chamavam governo-da-casa, tudo ali se pescava, se possível fosse, numa só manhã. De conversa de pescadores, disse-lhe eu, só faltava o Ti Augusto dizer que pescava também os pimentos, os tomates e as cebolas para completar a caldeirada. Isso não, isso havia com fartura por essas quintas a fora e os olhos voltaram a brilhar enquanto se deliciava com mais uma garfada do ensopado de enguias.

Foto PreDatado©2008

quinta-feira, julho 16, 2009

1461. Dominó!


Mestre Jorge, é assim o nome por que ainda o conhecem. Há muitos anos que encostou a fragata mas nunca saiu da beira do rio. Hoje entretém-se a tomar uma cervejinha na Taberna da Lota, onde o Chico já não tem mais rol para assentar os fiados, e a jogar ao dominó. Como o mestre Jorge, muitos outros abandonaram as fragatas e as faluas há já muitos anos. O Josué mantém a dele mas apenas para passeios turísticos no Tejo e o Ti Garoupa, que costumava alugar a muleta aos fins-de-semana para pescarias junto ao pilar, tem-no a doença emagrecido e a vontade de olhar o rio esmorecido, por mor daquela pontada que não lhe sai do meio das costas. Foi Lídia, a filha, quem nos confidenciou, tá acabado o velhote, na sexta à noite quando foi comprar os três decilitros de tinto que lhe durarão toda a semana. Um dia ele se irá primeiro do que a pinga. Meta no rol se faz favor, sô Chico, que no fim do mês fazemos contas. A fábrica de componentes, primeiro alemã e agora dos japoneses, fechou há quase duas semanas e Lídia ainda não tinha arranjado nada. Mestre Jorge, no seu tempo de rapaz ainda chegou a andar embeiçado por Lídia, que era um bom par de anos mais nova. Consta até que fizeram amor no “Lagameças” e se ouviram os gemidos, alguns dizem os ais, de Lídia, numa noite de quarto minguante e calmaria. O Ti Garoupa é que não gostava nada da história, racho o primeiro a quem ouvir dizer isso, mas a sua cumplicidade com Jorge a quem tratava quase como filho não dava margens para muitas dúvidas. Mestre Jorge continua solteiro porque a vida do transporte do sal e de atravessar pessoas para a outra banda nunca lhe deu muito tempo para saias. Dizia ele, porque as más-línguas do cais diziam que o “Lagameças” gemia muitas noites e não era só em quarto minguante. Jogou a última pedra do dominó e puxou uma baforada do cigarro sem filtro. A cerveja estava no fim.

Foto: PreDatado©2009

quarta-feira, julho 15, 2009

1460. Bichos

Enquanto as tartarugas
devoram os camarões,
o meu gato observa-as, atento.

terça-feira, julho 14, 2009

1459. Barracos


Era longe e tinha som. A música celta (ou seria galega?) ecoava vinda das bandas do rio. Pela manhã os sons que se ouvem são outros, são os das gaivotas. Mas aquela manhã nasceu diferente. Tinham feito amor pela madrugada mas os raios de sol através das velhas persianas não fechadas não os deixou dormir mais. Bocejou e foi à janela, acendeu um cigarro e ouviu um ligeiro murmúrio das ondas a fugirem na vazante da maré. Uma nuvem tentava agora encobrir os raios de luz que lhe perturbaram o sono. Outra e mais outra, as nuvens surgiam ameaçadoras. E não sabia o que fazer. Se descer, como todos os dias à beira-rio e aparelhar o barco para mais um dia de pesca e de recados, se voltar para a cama onde se espalhavam os cabelos dela na alvura dos lençóis remendados que outrora foram de cambraia e de outros. Talvez de um príncipe. Ou de um ministro, sorriu. Iria fazer amor, de novo, sob a cobertura de cirros, estava decidido, e contemplou-lhe os lábios. Ao longe ecoava, agora, uma música celta (galega?). Vestiu a calça de sarja com elástico e as sandálias. Na porta do barraco que lhes servia de casa e arrecadação, de refeitório e de ninho de amor, abotoou os últimos botões da camisa. Veloz, chegou à margem do rio e sentou-se a ouvir o velho tocador da gaita-de-foles. Seria com certeza uma música galega. Lá longe, no barraco, ela espalhava os cabelos sobre os lençóis brancos.
Foto: PreDatado©2009

segunda-feira, julho 13, 2009

1458. Luares


Ele tinha, talvez, uns cinco anos, seis no máximo. Era o mais pequenito do grupo que pelas ruas e travessas escuras, como convêm, jogava as escondidas. Devo rectificar porque as ruas, nesse dia, não estariam assim tão escuras. A Lua-cheia tinha já dois dias passados mas o seu brilho ainda prateava as orelhas dos putos. Cabelo curto, esquivo por entre os carros, olhar inteligente. O pai que, entretanto, na esplanada tomava um whisky seguia-lhe os movimentos. O atravessar das ruas em correria desenfreada, mesmo em hora de escasso tráfego, não o deixava sossegado. As silhuetas ou as sombras longas de luar denunciavam-lhe os percursos. E quando de viés olhava o pai, denunciava-se-lhe a inquietude. O pai chamou-o, sentou-o na cadeira e manietou-o. Se continuasse, feito doido, a atravessar as ruas sem olhar para os lados ou a esconder-se fora do campo de observação dele, o pai, o vigilante, o protector, iria para casa. Por enquanto ficaria ali na cadeira. Para aprender!
Os outros detectaram-lhe a falta e indagaram-no:
- Estás de castigo?
- Não. Estou só a descansar. - Olhou para a assistência e respirou ofegante. Nós, discretamente, sorrimos. No céu, uma pequena nuvem cobriu a Lua. E fez-se sentir uma brisa.

Foto: PreDatado©2009

segunda-feira, julho 06, 2009

1457. Luso, brasileño, español, madeirense... se calhar é por isso (?)

Tirando os canais Panda e Disney que são mais dados a coisas de criancinhas e que parece estarem já nos preparativos para transmitir as festas funerárias do Michael Jackson e também o canal Odisseia que se presta muito a ficção (no momento em que fiz o zapping estava a dar o julgamento do caso Casa Pia), não há canal de TV que não esteja em paranóia Ronaldiana. Não se vê nem se ouve outra coisa que não seja falar de Cristiano Ronaldo. No entanto, se D. Nuno de Santa Maria não tivesse sido santificado e, portanto, impedido de se meter nestas andanças, seria de chamá-lo imediatamente para invadir a Espanha. Então é lá possível que o ÀS um jornal desportivo espanhol, tenha escrito na versão on-line (vide foto) um texto em que chama “astro brasileño” ao nosso madeirense? Será que o Alberto João anda a fazer coisas nas costas da gente, como vender o seu arquipélago às Canárias? Bom mas não era nada disto que eu queria falar. Era de uma coisa séria. Fiquei a saber por um desses 7896 canais que não param de falar no Ronaldo de que este cobra 150 milhões em contratos com a Nike, o BES, a Castrol, a Soccerade, a CR7 e outras. Cobra? E paga os impostos aonde? Não podem dizer à gente? É que o país que parece que está todo vergado e babadinho com o craque precisa, né?

domingo, julho 05, 2009

1456. Novas referências, ao domingo...

Talvez porque aos fins-de-semana fico com mais tempo livre para visitar os blogs dos outros vou descobrindo coisas bonitas que merecem referência. Por isso, o domingo acaba sendo o dia que mais dá jeito para fazer referência a este ou aquele local. Esta semana encontrei o blog do Alex que fala de plantas de interior. Se o Alex vier a tratar o blog com o mesmo carinho com que trata as plantas, vamos ter obra. Eu estou simultaneamente confiante e expectante. Força, Alexandre avança com isso.

Quem já tem trabalho avançado é a JET. Nos Olhares a sua galeria é um sítio por onde vale a pena passar e ficar. O trabalho não é só fotografia, o que de per si já seria suficiente para lhe chamar artista, mas a autora junta-lhe outras artes por cima. É melhor irem lá ver porque mais de 100 fotos falam muito mais do que 100 000 palavras. Entretanto a Paula Carvalho, é assim que se chama, tem um sítio num projecto de BJS. É um local colectivo com o Hélder e com a Silvana, a quem endereço também os meus parabéns. É aqui!

Imagem de JET retirada de uma das suas galerias em Olhares.

quinta-feira, julho 02, 2009

1455. Deve ser bom

Que será, que será?

R, dez gemas d’ovos e duas de craras e duas colheres de farynha, de prata, tudo muyto bē batido ē huõa tijella noua pequena ou huã certaã muy pequena, e quanto mais alta tanto milhor, meã de mamteygua, que ferua rrijo; e deitem tudo ally por huũa albarada de bico ē voltas como aletrya: e depois que for ffeito, ponhão-no a escorer ē hũa jueira, e deitem-lhe por cima acuquar clareficado, e mais pisado cõ canela.

Dizem ser a mais antiga receita da cozinha portuguesa, data do século XV e foi retirada de um manuscrito existente na Biblioteca Nacional de Nápoles pelo Dr. José Leite de Vasconcelos, (Ucanha, 7de Julho de 1858 Lisboa, 17 de Maio de 1941) e publicada na sua obra Textos Archaicos.

PS. Ainda estão preocupados com o acordo ortográfico?

quarta-feira, julho 01, 2009

1454. Super-heróis, insónias e lixo


Compreendo perfeitamente que é impossível fazer tudo num só instante. Mesmo Deus que era Deus e, portanto, tinha muitos mais poderes que o Superman, o Homem-Aranha, o Hulk, o Batman e outros, todos juntos, demorou seis dias para criar o mundo, quanto mais os banais humanos. Portanto acho que recolher o lixo nas ruas não pode ser feito total e completamente às 10h, vá lá 10h e 01m da noite porque os homens da recolha do lixo teriam de ser omnipresentes e nem mesmo o Superman, que voa a uma velocidade superior à da luz, o é. Quem de certeza absoluta não é um super-herói, ou pelo menos para mim não o é, é o Senhor Presidente da Câmara do Seixal. E mesmo que ele fosse o Batman, o Senhor Vereador do Ambiente não será, com toda a certeza, o Robin. Mas se eles não conseguem organizar os horários da recolha do lixo de modo que todos os dias, excepto ao Domingo (o tal dia que Deus descansou), às duas da manhã eu não seja acordado pela infernal barulheira que o camião do lixo faz à minha porta, ao menos que troquem o percurso de modo que à porta da casa deles passem a fazer a barulheira que fazem à minha e à mesma hora e, mandem para cá o camião no horário que recolhem o lixo à porta deles. Ou algum de vós acredita que o Sr. Presidente é incomodado todos os dias no primeiro sono? Se ele aceitar a minha proposta não só votarei (de novo, irra!) nele nas próximas autárquicas como lhe enviarei pelo correio a ultima edição especial da Abril do Superman-Bi.

PS. A Amarsul comporta-se de uma maneira bem mais civilizada. Faz as várias recolhas dos eco-pontos durante o dia e nunca os vi aqui aparecerem depois das 10 horas da noite. O lixo não pode?

PPS. Superman-Bi não tem nenhuma conotação sexual. Isto não é propriamente uma parada gay. Era, não sei se ainda é, uma revista bimensal da Abril.