Às vezes eu finjo que não entendo. Aliás, não é às vezes. Eu sempre finjo que não entendo. Palavra puxa palavra, conversa puxa conversa tipo pezinhos de cereja, ainda a procissão vai no adro e já se ouve o habitual, “o que importa é ser bonito por dentro”. Ah é? E isso também vale para bonita? E se vale como é que vão ser depois os piropos? Parece-me já estar a ouvir o gajo das obras na minha rua debruçar-se na plataforma, onde uns dias depois há-de ser uma varanda, gritar, Ai filha, tens um fígado tão lindo que te comia toda em iscas, ou o camionista à beira da estrada, Se os teus pulmões fossem mais sobressaídos um bocadinho quem te dava uma maré viva era eu, oh Pamela de Alfarim! O que eu gostava mesmo era de assistir às conversas nos consultórios dos cirurgiões plásticos. Doutor nem sabe o que me passou hoje pela cabeça, (…) venho trocar de pâncreas (…) já viu que lindo este no catálogo? (…) Pena é que a modelo é meio anoréctica, mas (…). Acho que quem vai ficar a perder é o governo. É que estas novas cirurgias plásticas com recibo de operação ao pâncreas devem dar para descontar no IRS. Quanto é que abaterá, por exemplo, retirar umas gordurinhas aos pulmões ou fazer uma lipo-aspiração à bexiga? A mim não me enganam, não, com essa converseta do bonito por dentro. Porque é que não dizem logo que um gajo é feio ou vá lá, para não chocar tanto, que é barrigudo? Mas não, ai Pre o que importa mesmo é ser bonito por dentro e tal, mas mesmo assim devias mandar colocar um pouco de botox nos bronquíolos.
PS. Na verdade eu sou lindo por dentro. Já fiz alguns exames, não digo quais porque isto aqui não é confessionário do padre Miguel, em que algumas micro-câmeras me percorreram as entranhas quase todas. É um espectáculo. Ah minha coisinha fofa, pareceu-me ouvir, uma ocasião, da boca de uma enfermeira.
A belíssima foto que se mostra, por dentro e por fora, é do PreDatado.
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