terça-feira, julho 14, 2009

1459. Barracos


Era longe e tinha som. A música celta (ou seria galega?) ecoava vinda das bandas do rio. Pela manhã os sons que se ouvem são outros, são os das gaivotas. Mas aquela manhã nasceu diferente. Tinham feito amor pela madrugada mas os raios de sol através das velhas persianas não fechadas não os deixou dormir mais. Bocejou e foi à janela, acendeu um cigarro e ouviu um ligeiro murmúrio das ondas a fugirem na vazante da maré. Uma nuvem tentava agora encobrir os raios de luz que lhe perturbaram o sono. Outra e mais outra, as nuvens surgiam ameaçadoras. E não sabia o que fazer. Se descer, como todos os dias à beira-rio e aparelhar o barco para mais um dia de pesca e de recados, se voltar para a cama onde se espalhavam os cabelos dela na alvura dos lençóis remendados que outrora foram de cambraia e de outros. Talvez de um príncipe. Ou de um ministro, sorriu. Iria fazer amor, de novo, sob a cobertura de cirros, estava decidido, e contemplou-lhe os lábios. Ao longe ecoava, agora, uma música celta (galega?). Vestiu a calça de sarja com elástico e as sandálias. Na porta do barraco que lhes servia de casa e arrecadação, de refeitório e de ninho de amor, abotoou os últimos botões da camisa. Veloz, chegou à margem do rio e sentou-se a ouvir o velho tocador da gaita-de-foles. Seria com certeza uma música galega. Lá longe, no barraco, ela espalhava os cabelos sobre os lençóis brancos.
Foto: PreDatado©2009

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