quarta-feira, janeiro 30, 2008


1156. Um pouco mais pobres

Era só sentir o cheiro ou o barulho do motor, não sei e, eis que ela aparecia saltitona à frente do carro o que nos fazia abrandar para a velocidade mínima necessária à chegada a casa. Logo que parávamos e começávamos a abrir as portas do carro, não se importando com a hora, dia ou noite e até madrugada adentro ladrava de alegria e cumprimentava-nos um a um. Se algum de nós não ia, metia o focinho nos estofos como que a procurar até se convencer da ausência. A Maria, assim lhe chamávamos, era a cadela que lá na aldeia nos tinha adoptado. Aparecida não sabemos de onde tinha vários “donos” (e por cada dono um nome) que a alimentavam mas, quando estávamos presentes nunca abandonava o nosso quintal. Fosse apenas por um fim-de-semana ou por um largo período de férias nós éramos companhia mútua. Este fim-de-semana não apareceu à nossa chegada. A Maria tinha sido atropelada na semana anterior tendo morrido numa valeta à beira da estrada. Um outro “dono” enterrou-a. Ficamos tristes.


PS. Em “conversas com os meus botões” um outro blog que fiz/parei há algum tempo escrevi em Abril de 2005:

“Outra Maria
Quando entramos na aldeia a Maria sente-nos o cheiro nos pneus. Corre e chega primeiro que nós a casa. A Maria tem faro.
A Maria passa o tempo a ladrar às andorinhas. A Maria é uma cadela.
Quando estamos próximos nem precisamos falar. Deita-se no chão e arrasta-se. A Maria não está manca, é uma mimada. Sim uma mimada é o que ela é. Depois abana a cauda.
Não sabemos como apareceu nem de quem é. Quando aparecemos nós, ela aparece também. É uma Maria aparecida.
A Maria adoptou-nos.
Espera pelo biscoito, pelo bife, pelo frango. Se lhe damos bacalhau, cheira-o e volta-lhe as costas. Nesse dia não ladrará aos gatos. Quando nos vamos certificar se comeu, a Maria ainda tem fome mas nada nos diz. Afinal ela e os gatos são cúmplices.
O motor do carro começa a trabalhar e a Maria olha-nos de relance. Volta-nos as costas e desaparece. Há quem diga que com uma lágrima no focinho.”

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