sexta-feira, abril 08, 2005

702. Ars longa, vita brevis

A propósito do comentário feito pela panamá sobre a minha veia dissertiva, gostaria de tecer apenas uma consideração sobre a arte de escrever. Esta é uma opinião pessoal, sem qualquer fundamento científico e, como tal, é uma opinião que pode ser considerada polémica. E a opinião é NINGUÉM ESCREVE BEM.
Posta que foi a afirmação, vou fazer uma apresentação sucinta das razões pela qual o afirmo. Um desenvolvimento profundo poderá ser base para uma tese num mestrado, doutoramento ou simplesmente pós-graduação em área específica. É por isso que me quedarei apenas em 3 elementos que considero fundamentais para a justificação do postulado.

a) O ponto de vista do conteúdo.

a. Gostareis vós em igualdade de circunstâncias de um texto de Fernando Pessoa, de um texto de José Saramago, de um texto de Gabriel Garcia Marques, de um texto de Jean-Paul Sartre, de um texto Camilo José Cela, de um texto de Paul Auster, de um texto de Inês Pedrosa, de um texto de Alexandro Herculano, de um texto de Platão, de um texto de Nieschte, de um texto do Padre António Vieira, de um texto Frederich Engels, de um texto de Jostein Gaarder, de um texto de Agostinho da Silva, de um texto Ernst Hemingway, de um texto de Miguel Esteves Cardoso?

b. Escrevem com o mesmo objectivo político, social, de desenvolvimento económico, cientifico, lúdico, perceptorial, cognitivo, desinteressado Carl Marx, Sophia de Mello Breyner, António Damásio, Susana Tamaro, Paulo Coelho, Leon Tolstoy, Almeida Garrett, Elfried Jelinek, Vidiadhar Surajprasad Naipaul, Eça de Queiroz, Albino de Forjaz Sampaio, Jorge Amado ou Homero?

c. Pode-se gostar de conteúdos tão diversos e em todos estarmos de acordo de que se escreveu bem? Pode-se dizer que sim senhor que belo texto quando Manuel Tiago escreve “Até Amanhã Camaradas” e Adolfo Hitler escreve “Mein Kampft”, quando Manuel Luís Goucha edita “Coisas doces sem Açúcar” e Maria de Lourdes Modesto publica “Cozinha Tradicional Portuguesa”, Quando Paulo Coelho escreve “Brida” e Jean Braudillard relata “Um crime Perfeito”?

d. Ninguém escreve bem, é um anátema da contradição de conteúdos. Pode até ser que por outro ponto de vista todo o conteúdo seja bem escrito. Não por este.

b) O ponto de vista da semântica.

a. Ou se preferirem numa maior abrangência da própria semiótica. Quem escreve o que escreve quer exactamente dizer o que diz? Esta questão é para mim sintomática para a leitura de entrelinhas. Escreve bem quem bem não expressa os signos?

b. A utilização exagerada de figuras de estilo, a parabolização e as conjecturas delineadas à volta dela não são sistematicamente sintomas de enredeamento, quiçá hiperbólico, em teias inversas, isto é, em que não se pretende uma convergência do leitor, mas a divergência para o acessório face a menor capacidade de objectivação do texto?

c. Ninguém escreve bem, não é um dardo lançado contra a configuração mais ou menos sinalética dos textos, é antes um apelo à capacidade de ser simples e objectivo na mensagem.

c) O ponto de vista do binómio gramática-vocabulário.

a. A utilização de palavras, refiro-me agora à escrita em português, que não são as mais correntes na língua portuguesa, mas sim utilizadas com recurso a dicionário de sinónimos, dificultando a leitura simples e linear de um livro, tem como objectivo mostrar a erudição e o conhecimento profundo da língua português, mesmo que algumas delas sejam oriundas do vernáculo quinhentista, ou tem como objectivo atingir apenas uma elite de já de si literados e que portanto não lhes trás, de sobremaneira, valor acrescentado?

b. Ler, por exemplo, Vasco de Graça Moura é um exercício de enriquecimento do vocabulário da língua portuguesa ou antes pelo contrário é um exercício de destreza e capacidade de concentração simultâneas, isto é, a capacidade de folhear um dicionário à procura do significado das palavras ao mesmo tempo que nos envolvemos no enredo, até das mais bucólicas histórias de província?

c. Ler, por exemplo, José Saramago é um exercício quase que maquiavélico de comparação entre o que aprendemos no nosso tempo de escola sobre a construção de frases, pontuação, a coerência do parágrafo ou a transmissão do pensamento do autor para uma apreensão simples da mensagem?

d. Ninguém escreve bem não é um repto para que sejamos todos Margaridas Rebelos Pintos, aliás não é tão pouco um repto a coisa nenhuma. É uma opinião e como tal não passa disso.


PS. Hoje bateu-me esta pancada. Amanhã se verá!

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