703. Sem título - Capítulo 1
Era um homem tímido. Apesar dos seus 38 anos de idade aparentava menos de trinta. Uma vida regrada, sem álcool, sem cigarros, sem drogas e sem mulheres. O pai tinha-lhe deixado o suficiente para não ter de se matar a trabalhar. As suas saídas de casa resumiam-se a algumas reuniões na fábrica com os contabilistas e com o primo-irmão a quem tinha confiado a gerência do negócio, e a ida ao ginásio ou ao parque, correr para manter a forma. O desejo sexual acorre-lhe tardiamente e diziam os amigos, poucos na verdade que restavam do seu tempo de faculdade, à boca pequena como convém, que seria virgem. Naquele dia fechou a carta e foi entregá-la em mão à secção de anúncios do jornal. No dia seguinte pode ler, em letra de forma “Jovem, culto, bom rendimento, procura mulher inteligente para troca de correspondência. Assunto sério. Resposta ao apartado…”. Não teria sido capaz de escrever um texto nem mais ousado, nem mais discreto. Seria aquele e pronto.
Foi uma semana de expectativas. As idas ao apartado dos correios passaram a fazer parte, agora, das poucas saídas diárias. Impreterivelmente às quatro da tarde fazia o seu curto passeio a pé percorrendo os oitocentos metros que o separavam da moradia à estação postal. Alguns dias passaram sem que o seu apelo tivesse tido consequência. Atraso nos correios, pensou. Até que começaram a chegar as desejadas respostas. Retirou as três cartas que a pequena gaveta continha, colocou-as meio envergonhado no bolso do blusão e ao contrário do que a sua ansiedade faria supor, só as abriria à noite, em casa. Dirigiu-se a uma esplanada próxima, sentou-se, pediu uma água mineral sem gás e começou a olhar o horizonte.
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