quinta-feira, março 26, 2009

1400. Dia do livro português


Por detrás da porta do escritório tinha pendurado um pequeno cesto de minibasket e um caixote de lixo. Durante as manhãs dormia. As noites eram para escrever, as tardes para ler. Olhava para folhas de papel A4 em cima da mesa quase sem movimentar a cabeça. Alguém defronte dele, se lhe atentasse no rosto, veria um par de olhos em movimentos lentos da esquerda para a direita e rápidos da direita para a esquerda. Lia. Depois amarrotava a folha, fazia uma bola e jogava-a contra a tabela. Seguia lhe o percurso para ver se encestava. Eram mais as bolas de papel no chão do que no pequeno caixote de lixo. Folha a folha, a resma foi-se-lhe desaparecendo de cima da mesa.

Entrou sem bater à porta. Entrava sempre sem bater à porta mas desta vez teve de fazer um movimento de encolhe-barriga para não ser atingida por uma bola de papel. Sentou-se na cadeira em frente à secretária de mogno e arreou o pires. Trazia-lhe um cafezinho, como fazia todas as tardes, pontualmente às três e meia. Jorge tinha-se acostumado a um blend de arábica e robusta que lhe era preparado na Pérola do Brasil, a loja do Sr. Anselmo. Depois fumava, tranquilamente, uma cigarrilha Guantanamera, a única do dia, enquanto saboreava um Remy Martin. Nunca mais de cinco centilitros. Jorge é calmo, simples e metódico. Ela esperava sempre pelo final.

Eduarda era metódica também e sofisticada. Por isso despia o blazer com requinte e colocava-o, direito, nas costas da cadeira. A saia tomaria, seguindo uma norma mentalmente estabelecida, o mesmo destino. Sentava-se-lhe no colo para que fosse Jorge a desapertar-lhe a blusa enquanto se beijavam. Ele retirou os óculos e beijou-lhe o pescoço. Eduarda começava a cerrar os olhos e a deixar cair a cabeça quando reparou que da pressuposta resma apenas restavam meia dúzia de folhas. Sentiu um arrepio gelado na espinha e cometeu um imperdoável deslize. Fugiu à norma. Com a voz lânguida do prazer que começava a sentir sussurrou-lhe ao ouvido questionando-o, O Livro? Jorge perdeu a tesão.

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