quinta-feira, julho 19, 2018

1636. Escrito à hora do almoço tem de ser Lunch Time Blog


Está um excelente dia para o blog. Só dias com coisas para contar alimentam o conto. Sem coisas para contar não há contos. Ou então que se inventem. Não é o caso. Ao toc toc da bengala, junta-se o restolhar dos chinelos, a receita perfeita para que V não durma. Mas V está vacinado e se sabe que aqueles são os sons, é porque os aprendeu antes. Apenas não conta que hajam sons diferentes e esses são alertas. V lembra-se do dia em que às quatro da manhã o navio que conduzia perdera som. Toda a gente a bordo acordou com aquele repentino abaixamento de ruído. Esse foi um dia de caos. Hoje a mãe de V produziu mais som do que aquele que o que o ajuda a dormir. Caiu, bateu com a cabeça num móvel, gritou por ajuda e V foi mais rápido a chegar ao pé da mãe do que o chefe ao pé da caldeira a que se apagara um queimador. Aparentemente foi só o susto e a ansiedade. Um tremendo galo, um saco de gelo. Pelas frestas semicerradas da persiana a luz mostra o rosto de M, pálido. Também se levantou repentinamente para ajudar a mãe de V mas sem que V se tivesse apercebido tinha a seu lado uma mulher doente. Corajosa, de nada se queixa, mas está debilitada. V que tinha ido levar o filho ao aeroporto acaba por tomar conhecimento de que o avião na escala, não voará para Itália. Vai ficar apeado no Porto, não sabe até quando. Na boa, o navio andou à deriva por uns dias e nunca perdeu o rumo. O queimador foi substituído e não houve danos colaterais. V não dormiu por setenta e duas horas, hoje só dormiu três e o filho de V vai encontrar uma diversão alternativa. A mãe de V já tomou os comprimidos, já desjejuou, parece bem. V terá alternativas. Um livro, a máquina fotográfica, a neta. Olhou novamente o rosto de M e, sem lhe tocar, ajeitou-lhe o lençol. Deixou-a ficar deitada, com a neta ao lado, ambas dormindo. A pequena está bem e recomenda-se. Pousou o livro de poemas de Saramago, aberto em Rainer Maria Rilke. Ou a ele. “Homem me digo homem, poemas faço”. V fez-lhe uma canja de galinha.

PS. Fiz, é como quem diz. Tenho a galinha ao lume. Eu que gosto de elaborar receitas devo ter optado pela coisa mais fácil que conheço na cozinha. Só estou em dúvida se hei de deitar o ovo cozido picadinho sobre o prato dela ou se fique pela folha de hortelã. Se fosse comigo já estaria a gritar: ai que morro!

2 comentários:

Janita disse...

O V tem sempre coisas para contar. E sabe contar as coisas como poucos sabem. Ainda que eu fosse procurar, na lista dos escritores, de A a Z, não encontraria outro escritor que me agrade tanto ler, quanto me agrada o V.

PS- Vejo que os três netos são da filha, o João ainda anda solto pelo mundo, não assentou? :)

Beijinhos, Mr. V.

PreDatado disse...

Janita é verdade são os tr~es da Anita. O João ainda está solteirinho. Mas é bom rapaz.
Grato pelos elogios. Olha que até me babo :) Vamos ver se não perco o élan.
Beijinhos