Os caminhos da memória. A
propósito do comentário da minha amiga e seguidora antiga, Boop , no post anterior.
Ontem aconteceu-me uma
coisa extraordinária. A minha mãe vive connosco e, à mesa, gosta de conversar
de coisas antigas. Às vezes as conversas tornam-se repetitivas, mas são os seus
arquivos de memória e eu não me importo. Conversa puxa conversa e lembrei-me que uma
amiga e vizinha dela, lá do Bairro, lhe tinha mandado recomendações. E disse-me:
- Eu acho que ela se lembra de mim, mas se não se lembrar diga que sou a prima da
O que ela lembra-se logo. E assim fiz. Dei-lhe os cumprimentos e o beijinho que
a outra senhora me tinha recomendado. Perguntou-me então a minha mãe se eu
sabia quem era a O. Eu não fazia ideia nenhuma mas, entretanto, comecei a
construir a imagem de uma pessoa que para mim poderia ser a O. E descrevi a imagem
que fiz à minha mãe. Ela disse-me que não, que a O não era nada como eu estava
a dizer, que a O frequentava a casa de uma tia minha (irmã da minha mãe) quando
a minha tia morava ainda em tal sítio assim, assim. E que até se admirava de eu
não me lembrar dela, já que a minha mãe reconhece que eu, por acaso, tenho uma boa
memória. Pois não consegui imaginar a tal O. Aliás, não seria fácil porque a O,
de quem a minha fala, terá por esta altura mais de 70 anos, talvez uns 10 a
mais do que eu, a ser visita da minha tia na tal morada que a minha mãe refere
será pessoa que eu não vejo há mais de 50 anos, ou seja, desde que a O era uma teenager e eu nem teria buço ainda. E,
por isso, uma descrição fisionómica de agora, como a minha estava a fazer ou a
tentar, seria sempre diferente da construção que a minha memória estivesse a
fazer. E pronto, ficamos por aqui, eu acabei o meu parguinho grelhado, que estava
delicioso, o vinho branco também estava a condizer, na verdade um Tavedo Doc
Douro 2017 da casa Burmester e a Charline, que é a minha gata preta e branca,
nem andou à minha roda a chatear muito pois, mal a ouvi miar, reforcei-lhe a ração e dei-lhe um
pouco de uma musse de peixe do oceano e, assim, não só me pude concentrar nos aromas
exalados pela malvasia fina, pela gouveio e pela cerceal, mas também a rebuscar
na minha intrigada memória quem seria a O.
E, de repente, já com uma
taça de cerejas frescas e reluzentes na mão perguntei à minha mãe se também
queria e sem acabar a frase, atirei: Como é que se chamava a mãe da O? E ela:
Era a M. E quem é que era assim tal qual como eu estava a descrever, mãe? Ah!
Era a M. A mãe da O é que era como tu estás a dizer. E pronto, Sherlock Holmes
não faria melhor. Ou faria? Se calhar sim, mas teria que ser com um bom vinho do
Porto. Tão elementar meu caro Watson!
PS. Acho que se um dia
encontrar a O vou reconhecê-la.
2 comentários:
Ahahaha
Nem vou perguntar como o romance da Pauline Réage se ligou a esta história, nos meandros dos inexplicáveis circuitos neuronais....
O, apenas O Boop.
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