Histórias de Cordel
Quando eu era garoto, passavam (e paravam também) cantadores e cantadeiras vendendo e cantando histórias, normalmente dramas do quotidiano, escrito em verso, daqueles "de ir às lágrimas". Vinham publicados num papel tipo jornal, isolados ou em conjuntos desdobráveis, dependendo se se queria (podia) gastar 2 ou 5 tostões. Aos poucos esta tradição foi-se perdendo em Portugal. Raramente os encontro - o último que conheci, o Ti Pica que era poeta popular e ferro-velho, morreu há anos. Entretanto, passou na TSF há dias, penso que da autoria do sr. Bispo de Leiria/Fátima(segundo informação que recolhi em bde.weblog.com.pt ) uns versos sob o pretexto da morte de Miklos Feher, que embora não seguindo a tipologia das histórias de cordel, quer na forma quer na métrica, o seu conteúdo me fez recordar esse tipo de escrita.
A minha amiga Elinês que está a fazer um doutoramento na PUC de S. Paulo, na área da Semiótica, a propósito de Ariano Suassuna, mostrou-me algumas obras de cordel, sendo que este tipo de escrita é um dos "ramos" (chamar-se-á assim?) da literatura brasileira, muito tipicamente Nordestina e que hoje em dia continua a ter divulgação, estudos académicos à sua volta e na qual importantes autores brasileiros fizeram algumas incursões.
Sem qualquer veleidade nem pretenciosismo também eu fiz a minha incursãozinha neste tipo de escrita. E saiu-me isto. Lá vai verso (com um título originalissimo):
O escândalo Casa Pia
A história que contarei
O final desconheço
Mas d'alguns passos que dei
Só tive o que eu mereço
mesmo pagando alto preço
Quase nada encontrei.
Prenderam-se mais de dez
Muitas vozes se levantaram
Jurando em juntos pés
Os Juízes criticaram,
O Carlos inocentaram,
De Portugal lés-a-lés.
Almoços e jantaradas
Entrevistas na TV.
Mas as crianças coitadas
(as vítimas, já se vê)
Poucos nelas têm fé
Querem-nas amordaçadas.
Tem coluna em jornal
Dá opinião a mulher
E fora do Tribunal
Bate no peito o chofer,
Que defendê-lo este quer
Mas logo se saiu mal.
Emocionados discursos
Na festa de aniversário
Gentes de altos recursos
Desfiando seu rosário
Não será tudo ao contrário?
Ou seremos todos ursos?
Tem apoio e muito afecto
Das gentes da televisão
E tem do (isto é secreto)
Papagaio, gato e cão.
Falta palhaço e anão,
Pr'ó circo estar completo.
Das crianças nem a voz
Podemos ouvir direito,
E digo cá entre nós
Se há coisa que não aceito
É não haver ninguém com jeito
Pr'a desatar estes nós.
Apesar de tanta luta
Ele inda'stá na gaiola,
Come bife, come fruta
Tem direito a ver a bola,
E vai tirar da cartola
A prova que o indulta.
Vamos ver como é que acaba
A coisa da pedofilia
Se é o Carlos quem paga
Ou se é a Casa Pia.
É coisa que me arrepia
Se a memória se apaga.
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