641. Nostalgias
Eram sete e meia da manhã. Nem mais, nem menos um minuto. Entrava no café precisamente sempre à mesma hora. O Sr. Andrade tinha já o galão e o papo-seco, que guardava de véspera, ligeiramente torrado e barrado com pouca manteiga, pronto para servi-lo. Tinha vestido um fato azul-escuro, camisa branca, gravata azul clara, lisa, de seda natural. Como sempre, chegou-se ao balcão, embora desta vez com alguma dificuldade pois, no lugar onde costumava tomar o pequeno-almoço estava agora encostada uma nova cliente. Não pediu licença. Aguardou calmamente a sua oportunidade. Mal se abriu uma nesga, esticou um braço, pegou no copo e bebeu um pequeno gole. Sem açúcar, como ele gostava. Depois, pegou no pão e comeu-o. Todo. Nunca embuchava quando comia pão. Comia-o calmamente enquanto o copo de café com leite arrefecia. Pagou, deu os bons dias de despedida e dirigiu-se ao carro. Esperava-o, pela frente, uma longa fila de trânsito.
Foi há mais de dois anos que repetiu este ritual pela última vez. Ainda hoje tem por costume já estar vestido às sete e meia da manhã. Já não toma o pequeno-almoço no café do Sr. Andrade, mas ainda gosta de café com leite morno, quase frio, sem açúcar, nem enfrenta a fila de automóveis, com condutores a esfregarem os olhos, passageiras a maquilharem-se, um ou outro dedo no nariz a completarem a higiene diária. Nem ouve a TSF no rádio do carro. Não sabe como estão os acessos ao túnel do Marquês, nem se há engarrafamentos na rotunda do Freixo.
Hoje, levanta-se da mesa, passa o copo do café com leite por água, coloca-o na máquina de lavar, dirige-se para a secretária, lê on-line todas as ofertas de emprego e depois escrevinha qualquer coisa no blog. Tem saudades do café do Sr. Andrade.
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