676. Não sei que título colocar no post...
Renuncio
Cada letra que escrevo me parece uma palavra.
Cada palavra que escrevo me parece uma frase.
Estou cansado.
A vida não é só isto e eu
Estou cansado.
A vida não é só escrever e eu
Estou cansado.
Preciso de beber
De rir
De amar e ser amado
Mas
Estou cansado.
Preciso de beber o perfume
Que todas as noites
Teu corpo exala,
E que Suskind jamais inalou,
Mas estou cansado.
Preciso de beber o hálito dos teus beijos,
Quando me envolves os lábios de uma languidez
Que inibria
E que, Venus e Apolo tributo alto pagariam para beber,
Mas estou cansado.
Preciso de beber o vinho que vertes em
Largos vasos, cujo néctar hipnotisante
A vontade aguça, o desejo incute e o amor provoca,
(Baco nunca provou tal néctar, garanto)
Mas estou cansado.
Preciso de beber o fresco ar das montanhas, quando
Alvo manto as cobre para que frio não tenham,
Em paisagem de delírio que Rembrand nunca pintou,
Mas estou cansado.
Preciso de rir, quando
Calado mimo para escutar meu riso
(E Morceau riria ele quando os outros riam?),
Mas estou cansado.
Preciso de amar o sol,
De amar a montanha,
De amar o vento e o mar amar também,
De amar as formigas que trabalham para eu cantar,
De amar o chão que de vermelho o outono de folhas cobre,
Não como Quixote amou Dulcineia,
Mas como Pedro amou Inês
Mas estou cansado.
Sabias que eu amo o vermelho?
Mas de o vermelho amar me cansei.
De amar o azul do céu de Lisboa
E de amar Lisboa.
Outros a amaram antes de mim e de a amarem não se cansaram.
Esta Lisboa que Pessoa amou,
Esta Lisboa que, de amar, Pessoa não se cansou,
A mim cansa-me.
Eu amo o azul e de amar o azul eu estou cansado.
Preciso de ser amado pela lua
Qual ninfa quarto-luminosa
Sempre me encanta!
Mais que nova ou mais que cheia,
Mas a lua de quarto-me-amar
Está cansada também.
Preciso de ser amado por ti
Nem que, por via de Platão, o teu amor
Assim longíquo seja. Eu só quero sentir.
Mas de me amares longe e me não chegares
Te terás cansado também.
E por cansaço renuncio.
Renuncio ao liquido voraz
Que me queima as entranhas e me cansa as manhãs.
Renuncio ao liquido voraz
Que me lava as lembranças e de recordar me cansa.
Renuncio ao riso
Que me cansa as maxilas e me engelha a pele.
Renuncio ao riso
Que alegra almas e cansa tristes.
Só não renuncio ao amor.
Porquê? Eu sei e,
Sei que a tudo mais renuncio.
Estou cansado.
Alves Fernandes in Complexus
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