sexta-feira, junho 23, 2006

993. Fecharam 195 parques infantis

O dia nasceu azul quando o Sol lhe beijou as roseiras do quintal.
Isto foi em Portugal em 2006. Era Sábado.
Na televisão, acesa desde que o pequeno Carlos, sorrateiro, saiu da cama, passavam os desenhos animados mais estúpidos que as crianças podem assistir. Isto dizia o avô Luís que ainda era do tempo do Bip-Bip e do Coyote, do Pernalonga e do Gaguinhas, do Silvestre e Piu-Piu, do Tom e do Jerry, do Poppey e até do Super Rato e também do Gato Félix. A mãe colocou-lhe à frente um prato de cereais com leite que ele devorou sem levantar os olhos da tela. Depois de o obrigar a lavar os dentes, vestiu-lhe aquela blusa branca e o calção azul às riscas, com alças e peitilho de jardineiro, que a tia Ivone lhe tinha oferecido quando fez quatro anos. Ajudou-o a apertar as sandálias e passou-lhe os dedos pelos cabelos encaracolados.
Saíram de mão dada, cumprimentaram a D. Gertrudes que chegava do supermercado (o que faz correr esta senhora, viúva, mais de 70 anos, bicos de papagaio, a chegar do supermercado às dez da manhã, terá pensado). Carlos ainda perguntou à mãe porque é que a D. Gertrudes andava assim meio agachada, mas a resposta não lhe deve ter interessado muito, pois não fez mais nenhuma pergunta. Continuaram o passeio em silêncio, com o Carlos de olhos muito abertos a observar tudo quanto o rodeava, duas raparigas que corriam para o autocarro com os braços levantados a acenar, o cego que tocava acordeão na esquina da Rua 25 de Abril com a Rua de Angola, dois polícias com as mãos agarrada aos sacos de plástico pretos (com roupa contrafeita, mas isso só a mãe o sabia) e a algazarra que rodeava a acção, um senhor a ler A Bola encostado ao semáforo.
Pararam e esperaram o sinal verde. Só atravessavam no sinal verde, de pequenino é que se torce o pepino. Iriam repetir a travessia tantas vezes quantas as passadeiras que circundavam a rotunda. Deram duas voltas à rotunda, depois voltaram para casa. A vila tem muitas rotundas, mas aquela tem relva e flores. Só não tem baloiços.
Carlos sentou-se à frente da televisão e continuou a ver os desenhos animados. Aqueles desenhos estúpidos, como dizia o avô Luís.

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