999. Darfur
Na frente dos amigos ele sempre se apresentava como um indivíduo muito culto. A sua boa memória levava-o a discutir pormenores da História de Portugal tais como o casamento de Maria Francisca Isabel de Sabóia com D. Afonso VI e com D. Pedro II ou a detalhes da História Universal como a biografia de Emiliano Zapata. Tão depressa se mostrava um defensor da teoria da moral de Immanuel Kant como em outros fóruns se deliciava a bisturiar a obra de Marquês de Sade. Sabia tudo sobre armas convencionais e nucleares, tinha opinião formada sobre o ensino, a educação e a justiça. Não era raro vê-lo dissertar sobre o papel das instituições, da câmara Municipal ao Presidente da República e, aqui e ali, deixava recados que, dizem as más-línguas, eram muito tidos em consideração. Quando, em frente de um televisor, assistia com a família e amigos aos concursos televisivos tinha sempre uma resposta na ponta da língua para as mais rebuscadas perguntas ou mesmo, quando errava, sabia desenvolver uma teoria sobre a falha que cometera onde em larga prosa, que poucos entendiam, explicava o motivo da sua confusão. Era também um colunista de jornais, usava a Internet com frequência e tinha até um blog de referência. A sua vocação política obrigava-o a aceitar fazer prelecções públicas, fosse para assistências de 50 pessoas, em pequenos espaços de sociedades recreativas ou estúdios de cine-teatro, fosse em Universidades ou em debates televisivos, onde era visto por muitos milhares de telespectadores. Defendeu a intervenção dos Estados Unidos da América no Afeganistão e no Iraque e é um defensor também da teoria do eixo do mal. Quando lhe perguntaram uma opinião sobre Omar-Al-Bashir e a situação em Darfur, recusou fazê-lo. Parece que não quer misturar a sua aura de humanista com os interesses americanos nas companhias petrolíferas do Sudão. Ainda há pessoas com pudor, digo eu.
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