quinta-feira, janeiro 08, 2009

1330. Histórias de viagens (ii)


O dia em que eu ladrei

Estava um dia bonito. São sempre bonitos os dias que se aproveitam para ir passear a terra ao fim de algumas semanas, às vezes meses, embarcados em alto-mar. Desembarcamos ao largo de Algeciras que é um lugar onde, praticamente, com uma torção de pescoço nos dá para vislumbrar Marrocos, a Espanha e a Inglaterra. Pois claro a Inglaterra, já que Gibraltar faz jus a que a que dos ingleses nunca se lhes fale do Império. Não sei mesmo se é o único país imperial do mundo a quem nunca ninguém se refere como imperialista. O célebre pinhão é, para além disso, um belíssimo monumento natural. Conseguia-se, à época desta história, vislumbrar-se facilmente o movimento de vai vem de contrabandistas e polícias, de tráfego clandestino de pessoas, de clandestinos traficando coisas, de coisas à espera de serem compradas em clandestinas lojas, que os marujos conhecem como a palma da mão. E era, por isso, também uma cidade típica de compras. Compras a que se não dispensa nenhum embarcadiço já que a bordo não há onde gastar o dinheiro a não ser que se entretenha a jogar à batota.

Tinha, sempre tive e ainda tenho, um pequeno senão com os cães. Acho-os uns bichos maravilhosos mas tenho um medo atroz de cães. Eu diria pavor. Alguns há que, ainda que a uma distância considerável, me provocam subidas incontroláveis de adrenalina de modo que quem fica incontrolável sou eu com os nervos completamente à flor da pele. É mariquice, dirão vós e eu aceito, até porque quando ganho confiança com os simpáticos bichos sou mesmo capaz de lhes fazer festas, brincar com eles, criar uma quase relação de amizade. Mas, na generalidade, quando os vejo na rua, atravesso a estrada e vou passar pelo passeio do lado contrário.

Estava a contemplar Algeciras, junto ao mar, tão ledo e tão quedo, esperando a lancha que me haveria de devolver ao navio, orgulhoso das compras que tinha feito nas lojas de contrabando, de certo coisas que não me faziam falta nenhuma mas pelo menos tinha agido como bom embarcadiço, eis senão quando, a uma velocidade tal que se fosse cavalo diria que vinha a galope, o bicho a correr para mim. Fiquei na dúvida se seria um cão ou uma pantera, um tigre ou um puma, um leão ou um leopardo, Ai meu Deus desta é que é, disse-o quase a rezar, o bicho era bravo, não me conhecia, talvez eu estivesse a invadir um território de sua vigilante responsabilidade, ladrando tão estrondosamente que parecia que uma trovoada se estava a abater sobre a minha cabeça. Não há fuga possível, não me posso atirar ao mar não vá dar cabo das compras todas, pensei, Estou perdido, voltei a pensar, a adrenalina no máximo, a boca do animal bem aberta, a minha perna à distância de um pulo, de um palmo, de um centímetro. Eu ladrei tão alto, tão alto que o bichano se assustou e tão veloz se aproximou como deu meia volta e se foi. Eu ladrei, o cão fugiu, eu tremi. Eu não cheguei a ficar em estado de choque. O cão, talvez!

Foto encontrada neste site, e reproduzida com a devida vénia.

PS. Enquanto pesquisava algumas fotos na Web deparei-me com um interessantíssimo blog sobre navios. Para quem for interessado nestas coisas do mar, aqui fica o link. Encontrei também, provavelmente as únicas, fotos do N/T Neiva onde embarquei em 1979. Não as pude reproduzir aqui por estarem protegidas. No entanto aqui fica também o link,

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