domingo, dezembro 28, 2008

1320. Cena 437


Cozinha, em arrumação depois de fausto jantar. A máquina da loiça está aberta, a Dona da Casa pega num garfo de 3 dentes e inicia a sua colocação no suporte de talheres da própria máquina. Esta, a máquina, irá ser provida de detergente e abrilhantador de cristais. A marca dos mesmos não é dita pelo narrador desta cena, uma vez que nesta cena não entrará o narrador, pelo que é pressuposto se tomar conhecimento da mesma, da marca, ora bem, durante as filmagens onde se fará um close-up ao rótulo da caixa aparecendo o frasco do abrilhantador de cristais em segundo plano, ligeiramente desfocado, mas cuja silhueta dará para que o espectador se aperceba do patrocínio. O garfo de três dentes apresenta um ar de angústia, além de ligeiramente engordurado, que transmitirá durante toda a cena. Chegará mesmo a dar alguma entoação mais indignada falando em voz bem alta, tanto quanto é normal um garfo de três dentes falar e ter variações de voz. A Dona de Casa, também desde o início da cena, apresenta-se com um ar comprometido, quiçá algumas vezes irritada quando confrontada com os argumentos do garfo de 3 dentes. Escusado será dizer que todo este diálogo se produz, antes da Dona de Casa fechar a porta da máquina de lavar loiça e carregar no botão On do programador de lavagem a 65 graus.

Garfo de 3 dentes (Gd3D) – Diz-me o que foste fazer a Lisboa?
Dona de Casa (DdC) – Nada que te diga respeito.
Gd3D – Não me queres contar, não é?
DdC – Não tenho nada para te contar.
Gd3D – Foste ter com ele, eu sei!
DdC – Estás a delirar. Nem sei do que estás a falar…
Gd3D – Estou a falar dele e tu sabe-lo bem.
DdC – Mas eu nem sei se…
Gd3D – Não te desculpes, está farta de mim!
DdC – Não meu querido, Eu amo-te como nunca amei nenhum outro garfo de 3 dentes.
Gd3D – Dizes isso pelo teu amor a Espanha e não a mim, tenho a certeza.
DdC – Não sejas tonto. Tonto e ciumento! Esquece o caso, vá lá, não te atormentes.
Gd3D – Esquecer? Como é que posso esquecer? Além de tudo é uma afronta. Diz-me é mesmo ele?
DdC – Ainda não tenho a certeza. As únicas coisas que me apresentou foram uns púcaros e umas travessas de inox.
Gd3D – Eu sabia (deixou cair uma ligeira lágrima de gordura - olha afinal sempre havia narrador). Eu sempre desconfiei que te tinhas ido encontrar com esse vendedor depravado.
DdC – Vou-te confessar. Ele não tinha com ele nenhum talher completo.
Gd3D – É agora que me vais substituir por um garfo de 4 dentes não é? Eu bem devia ter desconfiado quando me adoptaste lá naquele restaurante de Talavera La Reina (aqui cabe ao narrador, que aparece pela última vez, dizer que aquele garfo de 3 dentes tinha sido roubado de um restaurante fino, pelo Chefe de Família depois de ter bebido uma garrafa inteirinha de um Valedepeña, rojo, de estalo mesmo, a acompanhar umas choletas de cochinillo al horno). - Eu sabia que toda aquela conversa com o teu marido de Devolve o garfo e tal, era só para espanhol ver e que, quando por fim não conseguiste vergá-lo e me decidiste adoptar não te irias acostumar com um garfo de 3 dentes.
DdC – Deixa-te disso, deixa-te de lamúrias, afinal nós não costumamos comer tortilla de patata nem calamares a la romana, mas sim esparguete com panadinhos de porco e dobrada com feijão branco. Bem vez que um garfo de 3 dentes não tem vocação para tais pitéus.
Gd3D – (resignado) – Fecha essa porta vai, fecha essa maldita porta da máquina que eu quero tomar um banho e depois dormir descansado na gaveta de cima. Bruxa! (o narrador não cumpriu a palavra de ter sido a última vez que interveio, um pouco mais acima, pois tinha de retratar este estado de espírito, de resignado, do garfo de 3 dentes que até se atreveu a chamar Bruxa à Dona de Casa).

PS. 1 - Este diálogo, se houver necessidade de encher chouriços na elaboração do resto da novela, pode ser prolongado por vários minutos. 2 – Qualquer semelhança entre esta cena e uma cena de uma qualquer novela actualmente a correr na TVI é pura coincidência.

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