quarta-feira, dezembro 10, 2008

1309. Da janela do quarto dele


- O miúdo tem jeito, atirou mal o encarei esta manhã.
- Ai, estamos mal a falar de bola a estas horas, ripostei ainda esfregando os olhos com sono.
- Qual bola, meu? Não é desse, é do teu, informou-me deixando-me perplexo.
- O que é que queres dizer com isso? – acabei perguntando eu que até lhe conheço as artes, a música, a pintura, o design e outras, mas que quando acordo ainda tenho uma série de interruptores desligados.
- Para escrever, homem. Já leste o blog dele?

(…)

Acabei de fazer a barba e de lavar os dentes. Não continuamos o diálogo. Aliás nesta altura eu ainda só tinha a pestana do olho direita levantada. Nesta pausa na conversa com o meu espelho, continuei a tratar de mim. Tomei o meu comprimido diário para a hipertensão, tomei banho, preparei o pequeno-almoço, comi e vesti-me. Vim também ao computador ler os títulos dos jornais da manhã e obviamente ler o blog do garoto. Voltei ao espelho ajeitando o nó da gravata.

- Se eu tivesse a paisagem que ele tem da janela do quarto dele também eu me inspiraria assim, disse-lhe em tom meio de desculpa, meio de justificação, enquanto sacudia um cabelo na banda do blaser, dando-lhe a entender que já tinha ido ler o blog do rapaz.

(… deu uma gargalhada, como quem pergunta: o quê tu?)

- O quê tu? – perguntou.
- Sim eu, respondi-lhe peremptório – Ou achas que não sou capaz? Ainda lhe perguntei enquanto me “despenteava” com o gel, wet effect.
- Vaidoso – terminou, acabando por me virar as costas.

(ainda gostava de saber porque é que este meu espelho me vira sempre as costas em fim de conversa)

PreDatado©2008, in Conversas com o meu espelho
Foto, Lausanne, “da janela do meu quarto”, João Capote

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