sexta-feira, julho 16, 2004

506. Redacção – A água
 
Eu gosto muito de água. Quando eu era miúdo, havia no Pombal, em Almada, um chafariz. No início, a maioria das casas não tinha água canalizada. Ai como eu sou antigo. Ao bom estilo chinês, uma vara sobre os ombros e um balde de cada lado íamos buscar água ao chafariz. Os rapazes e as raparigas, na época em que eu era miúdo, casavam com as raparigas e com os rapazes da região. Diziam que quem bebia água do Pombal, ficava como que enfeitiçado. Eu casei com uma pessoa que nasceu a mais de duzentos quilómetros. Fui embarcado. Passadas pouco mais de duas semanas, eu gritava a plenos pulmões: ‘Tirem-me daqui!’. E jurava a pés juntos, que depois do primeiro desembarque não voltaria à marinha mercante. Os meus colegas riam e gozavam comigo. Diziam-me que eu já tinha bebido água do tanque número três. Quem bebia a água de bordo, ia lá ficar toda a vida. Eu fiquei seis meses. Trabalhei numa empresa japonesa. Fui muito bem tratado e o Director Geral gostava do meu trabalho. Convenceu-se que à boa maneira japonesa eu ficaria lá para toda a vida. Teve um desgosto enorme quando me despedi, ao ponto de tirar uma semana de férias, coincidente com a data da minha saída, para não me cumprimentar no dia em que me vim embora. Hoje, embora esteja desempregado, sinto orgulho nas seis empresas onde trabalhei nos últimos 24 anos. Mas não enraizei em nenhuma. Um dos comentadores do meu post anterior escreveu na caixa de comentários: “Voltas. Sei que voltas. Isto já te entrou vida dentro e agora podes tirar férias, podes dar voltas ao miolo mas o que sentes acaba por sair. Portanto, um grande até já. Descansa. Mas voltas, tenho a certeza. Grande abraço!”. Ele sabia que eu tinha bebido água da blogosfera. A única água que me enfeitiçou. Eu gosto muito de água.

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