519. Redacção – O Luar
Eu gosto muito do luar. Quando era miúdo vínhamos sempre para o pátio nas noites veraneias, de luar. Os adultos levavam a sua cadeira, sentavam-se em círculo e conversavam, enquanto nós, os miúdos, brincávamos por entre galinheiros, nas semi-sombras das árvores, que o luar provocava. Com os meus sete anos de idade roubava um beijo furtivo à minha “namorada”, a Luísa, e depois ficávamos os dois muito coradinhos. E só o sabíamos, porque o luar acabava por iluminar os nossos rostos. Ou mentira, porque cada um e, falo por mim, sentia o rubor nas faces. No Inverno, ouvia-mos, no aconchego do lar, os gatos miarem estridentemente lá fora e depois no ritual da cópula todos os barulhos que vocês conhecem. A maioria das vezes, eu já não ouvia, porque adormecia antes da hora da verdade. E só acordava com os meus velhotes ou os vizinhos a enxotarem-nos dos telhados. O luar trás misticismos acoplados. O luar é dos lobisomens, das fantasias, dos contos de suspense. Há sempre uma sombra numa parede, um passo lento, outro fugidio, reflectida. O luar é do canto do lobo, do uivar sedutor e do uivar que amedronta. O luar é a luz das sombras que atemorizam, é o brilho dos fantasmas que não existem. O luar convida à poesia, ao namoro, ao sexo. Uma praia e dois vultos que se movimentam, deitados. Vêem-se ao luar, são traídos pelo luar. O luar é dos amantes, desculpabilizador dos devaneios, tentador das paixões. O luar é sertanejo e musical, é quente e frio, é doce, suave, manso, nunca agreste. Hoje há luar, a lua cheia aproxima-se, já só faltam três dias. Hoje tenho vontade de fazer amor de janela aberta, preciso do sol da noite. Hoje é dia de me deixar invadir pela indiscreta luz. Como uma testemunha muda que tudo vê, nada diz. Se não houvesse nenhum outro motivo eu diria que gosto do luar, porque o luar só há à noite.
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