559. Seis dias
Ela com uma infusa eu com outra, um braço sobre o seu ombro, outro que me enrola a cintura. O trilho marcado no restolho doirado foi feito por pés de pares e pares de pés, uns mais ligeiros, outros arrastados. A velha curvada, de lenço negro na cabeça e de negro também vestida, que o seu homem já se finara havia muito, parava ao longe para ver o casal parado. Se bandeava a cabeça reprovadora ou se sorria em sinal de consentimento não o sabíamos. O lusco-fusco e a distância, o céu vermelho e anil, manchado de pôr-do-sol, só desenhavam o vulto e o negro na planura. Um abraço que não se desfazia, os lábios que se não descolavam, no cruzamento de um ‘boa noite, meninos’, dois corpos que pareciam um, não fora as inclinadas cabeças o denunciarem. O percorrer da pele na pele, de dedos explorando percursos proibidos, de mãos irrequietas, o beijo que teimava em não findar. A água fresca, que a bica debitava, trespassava já a boca da bilha, desenhando um sulco cristalino na direcção do barranco. Amanhã cedo os pardais, os milharocos e os rabilongos viriam beber, saciar uma sede que, de diferente da nossa, não se bastaria de beijo. Beijariam as gotas orvalhadas, as águas correntes no barranco e rabilongos com rabilongas, milharocos com milharocas, pardais com pardocas nunca haveriam de conhecer o sabor dos lábios dela. E quando o luar invejoso queria também beijar, já tardava, bastaria agradecer essa natural lamparina que o trilho não se via no rastolho pardo, que doirado era antes. Indiferentes ao círculo que a lua riscava lá em cima, beijávamos de novo e as sombras desenhavam um estranho bailado. Faltam seis dias.
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