sexta-feira, março 19, 2004

Farto de aldrabices e truques de ilusionismo...

Ontem, estive a ouvir uma entrevista na RTP ao sr. Primeiro Ministro. Não sei porquê, lembrei-me de um extracto da peça “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna. Vou reproduzir aqui esse pequeno extracto, em que João Grilo consegue vender um gato que “descome” dinheiro. Aqui em Portugal costumamos dizer “vender gato por lebre”. Nem sei porque me havia de lembrar disto.

JOÃO GRILO
Ah, mas aquilo é porque foi o cachorro. Com meu gato é diferente…
MULHER
Diferente de quê?
JOÃO GRILO
Porque em vez de dar despesa, esse gato dá lucro.
MULHER
Fora vaca, cavalo e criação, bicho que dá lucro não existe.
JOÃO GRILO
Não existe se não… Eu fico meio encabulado de dizer!
MULHER
Que é isso João, você está em casa! Diga!
JOÃO GRILO
É que o gato que eu lhe trouxe descome dinheiro.
MULHER
Descome dinheiro?
JOÃO GRILO
Descome, sim.
MULHER
Essa eu só acredito vendo.
JOÃO GRILO
Pois vai ver. Chico!
MULHER
Ah, e é história de Chico? Logo vi.
JOÃO GRILO
Nada de história de Chico, mas foi ele quem guardou o bicho. Chico!
CHICÓ (entrando com o gato)
Tome seu gato. Eu não tenho nada com isso.
(João dá-lhe uma cotovelada e apresenta o gato à mulher)
JOÃO GRILO
Está aí o gato.
MULHER
E daí?
JOÃO GRILO
É só tirar o dinheiro.
MULHER
Pois tire.

…. Aqui, vou fazer um pequeno salto. João Grilo, por duas vezes, usando artifício de ilusionista, tira dinheiro do rabo do bichano… mais à frente…

MULHER
Nossa Senhora é mesmo. João me arranja esse gato pelo amor de Deus.
JOÃO GRILO
Arranjar é fácil, agora pelo amor de Deus, é que não pode ser, porque sai muito barato. Amor de Deus é coisa que eu tenho, dê ou não lhe dê o gato.
MULHER
Quer dizer que não tem jeito de eu arranjar esse gato?

… Ao fim de alguma conversação a Mulher compra o gato por 500 mil reis ao João Grilo.

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