393. Domingo
Definitivamente o Domingo não é o meu dia de sair. Já não vou à missa e as praias nesta época apinham-se de gente. Na outra época chove. Levanto-me e faço a barba.
- Vais sair? Pergunta-me o espelho.
- Não, hoje não saio
- Estas a fazer a barba…
- É por causa de amanhã.
Acho que o espelho não entendeu. Esta incapacidade dos espelhos não entenderem agrada-me. Seriam dois num só único pensamento, entendendo ambos as mesmas coisas com interpretações simétricas. Seria a confusão total. O espelho é ordenado. Simétrico sim, mas ordenado. Nunca faz nada que o outro lado do espelho não faça, excepto pensar. E, ordenadamente vai-me trocando o lugar às coisas, numa simetria perfeita.
- Assim, à segunda-feira custa-me menos fazer a barba.
Dá um sorriso. Meio seco, como deve ser o sorriso de um espelho. E não vais sair? Pergunta-me de novo. Não, não gosto de sair aos Domingos. Os passeios de Domingo aborrecem-me, não são originais. Estão todos no shopping, mas também estão todos no campo e estão todos na praia e estão todos no passeio do rio. E estão todos nas esplanadas e nos jardins infantis e nos largos da cidade e no jardim zoológico.
- Tens medo das multidões?
Que espelho chato. Porque haveria de ter medo? Preocupo-me se me atraso. Se me atraso já está visto, já outros viram, já voltam e eu vou ver o já visto. Prefiro ouvir. Pouso a lâmina na bancada, passeio os dedos nas caixas e descubro Crosby, Stills, Nash and Young no meio da poeira do quase esquecimento. O disco gira sobre o dejá vu. Continuo a fazer a barba.
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